sexta-feira, 28 de julho de 2017

MEU NOME É MULTIDÃO - Lêdo Ivo


Ando sempre seguido
por  vozes e cartazes

e minha mão segura

uma ficha com um número
de ordem e chamada.

Ninguém sabe meu nome.

Vem de um alto-falante
uma voz sem garganta

que me mantém anônimo.

Entro na fila até para 
tomar banho de mar

ou morre no hospital.

Sou uma simples 
na rua ou no guichê.

Uma ficha vermelha

sob o sol inquebrável
de minha solidão.

Ao contemplar o boeing

sou sem rosto e sem nome.
Quando o patrão me paga

as máquinas me somam.

Num trem, rumo ao subúrbio
subo e desço num gráfico

sobre dormentes podres.

Quando entro no cinema
ou a polícia me algema

onde quer que eu esteja

no sonho ou no mercado
sou simples estatística

tíquete, chapa ou ficha.

(O choro do berçário
e o não do plebiscito
não passam de algarismos.)

Meu nome é multidão
muito embora figure

na minha certidão

de idade um tal João
com sobrenome e tudo.

(Esse tudo que é nada

coisa imensa e insondável
o rival do céu mudo.)

Com a ficha na mão

paro no protocolo.
Mostro o cartão. Peroro.

Provo que sou humano.

Pago, recebo e como
e amo, odeio e choro.

Chego a fazer ginástica

que o ar de minha graça
é de matéria plástica

enquanto o alto-falante

me chama em toda parte
por meus diversos nomes:

Ficha azul! Dezessete!

E, na fila do mundo,
um número entre números,

avanço, logo existo!

Lêdo Ivo - Poeta alagoano.

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