Ando sempre seguido
por vozes e cartazes
e minha mão segura
uma ficha com um número
de ordem e chamada.
Ninguém sabe meu nome.
Vem de um alto-falante
uma voz sem garganta
que me mantém anônimo.
Entro na fila até para
tomar banho de mar
ou morre no hospital.
Sou uma simples
na rua ou no guichê.
Uma ficha vermelha
sob o sol inquebrável
de minha solidão.
Ao contemplar o boeing
sou sem rosto e sem nome.
Quando o patrão me paga
as máquinas me somam.
Num trem, rumo ao subúrbio
subo e desço num gráfico
sobre dormentes podres.
Quando entro no cinema
ou a polícia me algema
onde quer que eu esteja
no sonho ou no mercado
sou simples estatística
tíquete, chapa ou ficha.
(O choro do berçário
e o não do plebiscito
não passam de algarismos.)
Meu nome é multidão
muito embora figure
na minha certidão
de idade um tal João
com sobrenome e tudo.
(Esse tudo que é nada
coisa imensa e insondável
o rival do céu mudo.)
Com a ficha na mão
paro no protocolo.
Mostro o cartão. Peroro.
Provo que sou humano.
Pago, recebo e como
e amo, odeio e choro.
Chego a fazer ginástica
que o ar de minha graça
é de matéria plástica
enquanto o alto-falante
me chama em toda parte
por meus diversos nomes:
Ficha azul! Dezessete!
E, na fila do mundo,
um número entre números,
avanço, logo existo!
Lêdo Ivo - Poeta alagoano.
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